O Samba-reggae surgiu no contexto do Movimento de Orgulho Negro, que ocorreu na cidade de Salvador, na Bahia, em torno do ano de 1969. Samba-reggae, como o próprio nome sugere, foi originalmente derivado da mistura do samba brasileiro com o reggae jamaicano.
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O Samba de Roda, que tem seus primeiros registros datados nos anos 1860, foi trazido para o Rio de Janeiro por baianos por volta de 1900; onde foi combinado com elementos harmônicos e rítmicos de influências europeias (como chorinho e marchas militares). Na década de 1930, o Samba de Roda se desenvolve mais rápido, de forma harmonicamente mais complexa, se tornando o Samba-Rio.
Pelo meio do século 20, este novo Samba-Rio viralizou e se espalhou por todo o Brasil. O resultado paradoxal foi que o samba foi trazido de volta para a Bahia, vindo do Rio, mas agora em uma forma altamente alterado, e não mais associado com os movimentos afro-brasileiros.
Assim, em meados do século 20, a cidade de Salvador teve muitas escolas de samba que foram inspiradas nas escolas de samba do Rio, bem como blocos (grupos de percussão de rua informal), porém, utilizando o estilo Samba-Rio para realizar os desfiles de Carnaval.
No entanto, ironicamente, com a grande repercussão dessas escolas de samba, os negros foram impedidos de participar dos desfiles de Carnaval, marchinhas e nos blocos, tornando-se uma festa altamente elitizada.
O Samba-reggae representa então, um esforço feito por negros brasileiros para desenvolver um desfile de Carnaval onde eles poderiam participar e chamar de seu, formando blocos onde somente pessoas negras poderiam desfilar.
As música desses blocos afros eram muito diferente do que existia na época, porque tinham como objetivo recriar e fortalecer a sua comunidade através de sua música e ancestralidade.
Samba-reggae, mais do que o nome de uma determinada batida, virou um grande movimento negro, que ganhou reconhecimento popular em todo o país, por conta das músicas criadas pelos diversos blocos afros que foram surgindo na época, mesmo com as diferentes levadas e toques que cada grupo desenvolvia.
Ilê Aiyê
O Ilê Aiyê, foi fundado em 1974. Como muitos blocos da Bahia, eles não são apenas uma grande banda, mas também, um grupo da comunidade afro com foco social ativo. Eles desfilaram no Carnaval em 1975, com uma nova música que era literalmente uma mistura de samba e de reggae, fundindo a influência dos principais artistas jamaicanos na época, Bob Marley e Jimmy Cliff, com elementos do estilo mais velho do samba (Samba de Roda). Ilê Aiyê queria distinguir a sua música do Samba do Rio de Janeiro, que estava cada vez mais rápido e acelerado, optando então por escolher uma pegada mais lenta do ritmo e também, evitando os instrumentos de alta-frequência de percussão que eram particularmente associados com o Carnaval Carioca (cuíca e tamborim).
Estas escolhas musicais foram conscientemente feitas como uma declaração política. Todas as letras de Ilê Aiyê possuem conteúdo político e social, e trazem tipicamente o perfil de alguns aspectos da história africana e afro-brasileira, sempre com o objetivo de protesto ou de enaltecimento de sua rica cultura.
Muitos outros blocos afros foram fundados logo depois, e todos fizeram o mesmo padrão rítmico mais lento. Na época, essa estilo era conhecido simplesmente como "a música dos blocos afros" ou "o ritmo do Ilê Aiyê". Musicalmente, as principais inovações do Ilê Aiyê para o samba, era a adição de um novo 3a surdo, que executava batidas mais rápidas com duas macetas e também, a utilização de uma vara de plástico ou madeira no lugar da baqueta, para os tocadores de repique.
Olodum
O segundo grande movimento ocorreu em 1979, com a fundação do influente grupo Olodum. Olodum é um escola de tambores afro-brasileiro da cidade de Salvador, que foi fundado em 25 de abril de 1979, durante o período carnavalesco, como opção de lazer aos moradores do Maciel-Pelourinho, garantindo-lhes assim, o direito de brincarem o carnaval em um bloco e de forma organizada e segura.
É também uma organização não governamental (ONG) do movimento negro brasileiro.
Tem sua sede localizada no Centro Histórico de Salvador, o Pelourinho, onde acontecem a maioria das suas apresentações. Atualmente, tem como diretor João Jorge, e desenvolve ações de combate à discriminação social, estimulando a autoestima e o orgulho dos afro- brasileiros, defendendo e lutando para assegurar os direitos civis e humanos das pessoas marginalizadas, na Bahia e em todo o Brasil.
Em 1986, eles se estabeleceram como os artistas principais do movimento Samba-Reggae. Olodum foi conduzido durante estes anos pelo líder Mestre Neguinho do Samba, que tinha sido previamente líder de tambor do Ilê Aiyê.
Neguinho introduziu uma inovação chave: tocar o repique utilizando duas varas de plástico ou madeira. Esta mudança é derivada do Candomblé, uma religião afro-brasileira do qual Neguinho era praticante. O barulho de tiro rápido das repinicadas com as duas varas, juntamente com o toque e a condução distinta do surdo de 3a, dá ao samba-reggae um som inconfundível.
No Carnaval de 1986, o Olodum desfilou mostrando a sua própria forma de tocar o samba-reggae, e também, incluiu no sua apresentação, toques que faziam referência a gêneros musicais do Caribe, incluindo: merengue, salsa e o reggae.
Em 1986, a frase "samba-reggae" foi usado pela primeira vez para descrever a música do Olodum, e, por extensão, dos outros blocos afros também. O Olodum tornou-se progressivamente o bloco mais conhecido do movimento, no Brasil e no mundo, oportunamente, gravando com Paul Simon, Michael Jackson e muitos músicos brasileiros da época. Com o tempo, a maioria dos blocos afros se converteram ao estilo de tocar do Olodum. Na década de 1990, Ilê finalmente aderiu o modelo de duas varas que o Olodum utilizava para tocar o repique e os surdos.
Timbalada, Axé, e a modernização do samba-reggae
Na década de 1990, o movimento do samba-reggae continuou a evoluir com o grupo Timbalada, que, sob a direção musical de Carlinhos Brown, reviveu o quase extinto timbal, utilizando em espetáculos de palco e apresentações. Timbalada também desenvolveu um rack de 3 surdos "bolachão ou bateria de surdos" e 1 repinique de 8 polegadas (bacurinha), que poderiam ser montados em um palco de forma compacta, possibilitando que um único músico executasse todos os instrumentos durante uma apresentação de forma dinâmica.
Inicialmente, o Timbalada nasceu como uma banda de palco, fazendo o seu primeiro desfile somente no Carnaval de 1992. Nos anos seguintes, muitos blocos afros passaram a usar o timbal e suas apresentações e desfiles, assim como o rack de 3 surdos e bacurinha para situações de palco, utilizados até os dias de hoje.
Axé Music
Ainda década de 1990, um estilo de música pop que foi influenciado pelo samba-reggae na sua criação, é conhecido como Axé Músic, que foi popularizado por cantores como Gerônimo, Daniela Mercury, Margareth Menezes, Ivete Sangalo, Armandinho, Saulo e outros.
Dança
Samba-reggae deu origem a um estilo de dança Africano de influência derivada de movimentos de dança afro-brasileiras e candomblé. Geralmente, é dançado de maneira siga-o-líder, com alguns dançarinos qualificados iniciando os movimentos em uma linha na frente da multidão, e toda a multidão atrás segue junto. Além disso, muitos tocadores de samba-reggae dançam e fazem acrobacias enquanto tocam seus instrumentos, lançando os tambores aos céus com o famoso movimento "elevador" e também, usando muitas vezes as baquetas e macetas para enfatizar o movimentos dos braços e da batida.
Atualmente
O Samba de Roda, uma das principais matrizes do movimento Samba-Reggae, foi registrado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), como bem Imaterial Brasileiro em 2004.
Um ano depois, foi reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Agora, é também reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Estado da Bahia.
"Fazer o reconhecimento deste bem cultural é valorizar, estudar, registrar e divulgar, promovendo, assim, a sua continuidade, reprodução e transmissão às novas gerações, pois essa manifestação traz na sua constituição as marcas identitárias de povos que fizeram parte do processo civilizatório de constituição da nação brasileira, e que ainda hoje rememora, por meio de suas marcas culturais, todo o esplendor de uma cultura marcada por lutas históricas, memorizada e revelada através de seus ritos", afirmou Nívea dos Santos, Gerente de Patrimônio Imaterial do IPAC.
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